Tradução livre do texto “We Need to Humanize Disabled People in Media: A Brief History and Analysis of Vilifying Disablement”, de Walela Nehanda.

Imagem retirada da BBC — 6 pessoas em frente de uma parede cinza cimentada. À extrema esquerda está uma pessoa negra de vestido preto e salto alto, seguida por uma pessoa usando uma blusa de padrões bordô com uma perna prostética prateada por baixo de um shorts preto, e então uma pessoa negra de cabelos curtos e enrolados segurando um cartaz onde se lê “Deficiente e aqui” enquanto usa um vestido preto, acompanhada por outra pessoa negra com cabelos curtos e óculos usando uma jaqueta preta jeans, camisa de cor salmão, shorts jeans e tênis pretos portando uma bengala, e uma pessoa negra usando acessórios dourados, careca, de legging preto e túnica apoiada em uma bengala. À frente, senta-se uma pessoa branca em uma cadeira de rodas cinza, vestindo uma blusa azul e jeans cinza.

Alerta de gatilho: capacitismo, menção de atos de violência contra pessoas com deficiência, e menção a violência no geral — não se force a tais temas caso não queira ❤

Minhe melhor amigue e eu estávamos sentades assistindo Voyeurs noites atrás. Trata-se da história de Pippa e Thomas, interpretados por Sydney Sweeney e Justice Smith, que se mudam para um apartamento cujo casal da rua da frente permanece sem cortinas nas janelas. Basicamente, Pippa e Thomas passam a espiá-los. O que começa como uma espécie de jogo de adivinhação acaba se tornando um modo de expressar desejos sexuais, tabus, um modo de “entretenimento”. Para Pippa, isso se torna uma missão salvadora, já que acredita que a mulher do outro lado da rua é abusada pelo marido. Há uma série de reviravoltas: Thomas é assassinado, enquadrado como suicídio, enquanto a esposa do outro lado da rua se suicida depois de saber que o marido a traía. Pippa transa e tem um retrato feito pelo marido do amigo morto (que nos é apresentado como sendo o abusador). Bom, o que acontecia é que Pippa e Thomas estavam alugando o apartamento do casal da rua à frente, que também os observava. Era uma performance artística, criada para entender até onde desconhecidos alcançam em vidas alheias. Pippa encara como justiça atrair o casal para fora do apartamento, drogando-os no escritório de optometria em que trabalha, e então cegando-os. Ela acredita que um “eterno sofrimento” causado pela cegueira seja uma punição adequada, melhor do que a morte, no que diz respeito às consequências de suas atitudes.

Os dois vilões de Voyeurs são fotografadas aqui na cena final do filme, lado a lado no apartamento: à esquerda está um homem branco vestido de preto, de cabelo platinado loiro e, à direita, está uma mulher branca em uma blusa cinza azulada e longos cabelos castanhos. Ambos encaram uma janela, embora não enxerguem nada, uma vez que suas íris imitam as daquelas que são cegas.

A partir disso, o que podemos deduzir sobre deficiência? Que é uma punição. Algo ruim, uma sentença feita para causar mais sofrimento do que a própria morte. Como se ter deficiência e estar vive e existir não fosse uma vida que valesse a pena. Isso me fez começar a pensar nas múltiplas formas que pessoas com deficiência foram e continuam sendo retratadas na mídia. PcDs são comumente representadas como vilãs, fraudadoras, uma piada infame. O contraponto à forma “positiva” com que somos retratades na mídia depende de uma extrema polaridade, em que as pessoas com deficiência podem te inspirar, ou então te fazer se sentir grate por “não ser desse jeito”, ou pensar “se xyz PcDs conseguem passar por isso, então eu também consigo”.

Em uma sociedade capitalista que sistematicamente oprime pessoas com deficiência, muitas de nossas histórias são postas de lado, pois somos mão-de-obra inútil; não conseguimos entregar nossos corpos para serem explorados da forma como o capitalismo julga necessário. Sabendo disso, nossa aparição pejorativa na mídia não é uma surpresa: não somos pessoas, somos uma lição de moral entre bom vs. mau, frequentemente aquilo que a pessoa espectadora não quer ou tem medo de ser. E quanto às deficiências das várias personagens na TV/filmes, elas são constantemente destacadas? Não. Não que sintamos algo sobre isso, porque nada é dito, e é aí que está o problema. Estamos acostumades a naturalmente associar vilania com deficiência, sem nem percebermos.

Angelina Jolie no papel de Malévola durante uma cena em que está sozinha em uma floresta com neblina. Coberta de preto e com chifres negros apontando de sua cabeça, ela olha para baixo.
Angelina Jolie no papel de Malévola durante uma cena em que está sozinha em uma floresta com neblina. Coberta de preto e com chifres negros apontando de sua cabeça, ela olha para baixo.

Por exemplo, Bela adormecida era um dos meus primeiros filmes prediletos da Disney na infância. Entretanto, a história de Malévola que surgiu em 2014 foi esclarecedora. Ela deixava de ser a mulher malvada com um dragão, como a entendia. Em vez disso, ela é uma fada obscurecida mais velha, cujas asas foram brutalmente arrancadas pelo pai de Aurora. Isto foi feito pela herança do trono após a morte do pai. Malévola foi manipulada e ficou sem as asas: por ser efetivamente deficiente, usa uma bengala, tanto para auxílio na mobilidade quanto como arma.

Se alguma vez pensei sobre isso quando criança? Não. Demorou o tempo que levei pra notar minhas próprias deficiências, aos 23 anos, e lidar com minha batalha contra o câncer para realmente entender o que “incapacidade” significava. E quanto às pessoas que não têm deficiência? Eles pensam duas vezes sobre esses assuntos? Não. Posso culpá-las? Não necessariamente, quando a doutrinação capacitista vem tão bem embrulhada. Isso afeta a forma como PcDs são tratadas? Com certeza.

Mais de 26% pessoas que vivem nos EUA têm deficiência, o que corresponde a aproximadamente 1 em cada 4 pessoas. E esses números são de quem possui diagnóstico, portanto essa porcentagem deve ser ainda maior. A deficiência se torna uma realidade para muites de nós conforme envelhecemos — pessoas idosas também são associadas com deficiência, sabe. Depois de várias conversas mais aprofundadas com minhe amigue, começamos a perceber vários personagens nessas histórias com as quais crescemos, e que eram associadas com “mau” e posssuíam essa temática. Citamos personagens de filmes de nossas infâncias, séries que víamos enquanto adultes. Havia uma lista, desnecessariamente longa. A deficiência sempre foi, e continua sendo tida como um fracasso moral. O que isso comunica às crianças com deficiência? Adolescentes com deficiência? Adultes com deficiência? Pessoas com deficiências recém adquiridas? Idosos com deficiência? Somos intrinsecamente maus e estamos bem conscientes de que o mundo nos vê na mesma linha.

“Vilões com deficiência datam dos primórdios das tradições de contos de fada e folclore. Muitos deles se apropriam da imagem de pessoas idosas e com deficiência assumindo o papel de vilania; usualmente motivados por ciúmes em relação a uma personagem equivalente nova e bela, ou podendo ser cruéis e astutas como Rumplestiltskin. Tal ideia de que vilões com deficiência têm ciúmes das pessoas sem deficiência e por isso direcionam seu ódio a elas, permanece conosco no decorrer de toda a história da literatura, cinema, TV e teatro.

Um forte consenso presente na literatura é a de que uma PcD é inerentemente impulsionada ao mal por conta da deficiência. Muitos textos puritanos antigos sugerem essa ideia, de que a criança com deficiência está sendo punida por ser inerentemente imoral. Entretanto, um dos exemplos mais famosos de Vilã com Deficiência, que acredita que isso dá algum tipo de permissão para a má conduta é o Ricardo III, de William Shakespeare” (Emily Davison).

Retrato em preto e branco de Ricardo III, encurvado, usando o que parecem ser muletas.
Retrato em preto e branco de Ricardo III, encurvado, usando o que parecem ser muletas.

Há mais de cem anos assistimos deficiências afastarem-se da fantasia para o cinema e programas de TV sobre o cotidiano. A mensagem, porém, segue a mesma, e então somos inundades por ela; deficiência é sempre sobre moral — “não se torne aquela coisa feia, monstruosa, má”, ou então, mais recentemente, PcDs passaram a significar uma melhora na vida das pessoas ao redor, utilizadas como ferramenta para inspiração enraizada em pena.

Helen, uma mulher negra de cabelos curtos e ondulados vestindo uma blusa laranja escuro, é vista conduzindo o ex-marido em uma cadeira de rodas, pois ele está paralítico — ele tem uma expressão assustada, também é negro, e está todo vestido de cinza/azul.
Helen, uma mulher negra de cabelos curtos e ondulados vestindo uma blusa laranja escuro, é vista conduzindo o ex-marido em uma cadeira de rodas, pois ele está paralítico — ele tem uma expressão assustada, também é negro, e está todo vestido de cinza/azul.

Outro dos filmes da infância que vêm à mente de imediato é Diary of a Mad Black Woman (Diário de uma Louca, na versão em português), de Tyler Perry. Esse filme tem muito a ser engolido, mas vou focar no vilão do filme, um advogado insensível extremamente rico, e que também tem uma família com outra mulher. Ele abandona sua atual esposa, Helen, e traz pra casa sua namorada. Pronto. Ele é nosso vilão. Um “ponto de virada” no filme é quando ele se torna deficiente ao tomar tiros múltiplas vezes de um cliente descontente, fica paralítico e necessita de cuidado integral. Sua amante e família o abandonam, mas sua ex-mulher fica. Helen vê a deficiência como algo que deixa de ameaçar sua segurança, já que ela já tinha sofrido abuso por parte dele.

O desenrolar que se segue é que a ex-mulher se voluntaria para cuidar do ex-marido para se vingar pelos abusos. A cena mais famosa deste filme é a do ex-marido numa cadeira de rodas sendo “karmicamente” posto na banheira e quase se afogando enquanto a ex-mulher traga um cigarro e o assiste. Isso é tido como uma punição merecida pelo público, tal como fora a intenção. Será que sou um limite pra abusadores? Não. O que estou trazendo aqui é como a deficiência é considerada uma longa punição. Há formas de falar sobre abuso sem recorrer a uma cena/enredo infame desses.

Revisitar este filme enquanto adulte também ajudou a explicar o porquê de eu ter “merecido” ter câncer por anos, em vez de pensar “é, uma mutação de DNA, e aí?”. Consequentemente, também explicou o porquê de me sentir negligenciade pela pessoa que supostamente deveria cuidar de mim. Eu estava sendo abusive? Não. Fiz algo de mal para minhe parceire? Não. Eram impactos diretos de filmes como esse que me influenciaram a acreditar que não poderia sequer conceber ter deficiência, e qualquer pensamento em torno desse assunto era capacitista pra dedéu. Eram impactos diretos como esses que também me faziam sentir que merecia tudo de ruim.

Personagem 001 de Squid Games (Round 6) retratada em blusa verde esmeralda com listras brancas descendo os ombros. É um cara mais velho, com o número 001 branco gravado em relevo atravessando o peito. Ele é um senhor coreano de sorriso juvenil.
Personagem 001 de Squid Games (Round 6) retratada em blusa verde esmeralda com listras brancas descendo os ombros. É um cara mais velho, com o número 001 branco gravado em relevo atravessando o peito. Ele é um senhor coreano de sorriso juvenil.

Agora, quando falo sobre câncer… definitivamente vou trazer Round 6 à tona. O amável e esperto senhorzinho que mais tarde se revela como vilão também luta contra um tumor cerebral. Ele já havia hospedado os jogos antes, e planejava passá-los ao filho. Quando perguntado sobre a motivação de participar, sobre o porquê de criar algo tão abominável, ele apenas diz que queria se divertir. Similar ao Ricardo III de Shakespeare, este tipo de “representação da deficiência” mais uma vez torna uma pessoa humana em um ser monstruoso, apático, disposto a cometer atrocidades a ser temido por conta de sua malícia inesgotável.

Nós, como pessoas com deficiência, somos constantemente empurradas por personagens que dizem que somos infelizes e precisamos viver na esperança de “nos tornarmos melhores” fisicamente, ou provando que somos “boas” de acordo com um padrão besta. A realidade é que PcDs podem ser ruins, sim, como qualquer pessoa no planeta. No entanto, a demografia inteira mal contém espaço para considerar a humanização da deficiência, pela forma como ela tem sido historicamente retratada e moldada.

Capitão Hook do filme da Disney, Peter Pan, vestindo sua roupa de pirata vermelho e branco, enquanto sorri maleficamente, observando seu gancho dourado no lugar de uma de suas mãos.

Outro filme da Disney, Peter Pan, nos apresenta Capitão Hook, um sobrevivente amputado que possui um gancho no lugar da mão, sendo o principal antagonista, disposto a machucar crianças. Harvey Dent, vulgo Duas-Caras nos quadrinhos e filmes da DC, é um sobrevivente de ataque de queimadura com ácido, e é isso que o faz ser um bom homem, um bom advogado, em um super-vilão.

Harvey Dent aka Duas-Caras retratado nos quadrinhos vestindo um casaco metade branco e metade vermelho — quase refletindo a metade angélica e a metade diabólica — , seu rosto partido no meio. Um lado é “normal” enquanto o outro está queimado por ácido.

As dezenas de representações subtextuais de personagens neurodivergentes utilizadas como piadas ou trocadilhos, ou então como super exageradas, estranhas, pessoas não civilizadas…! O exemplo mais fácil em que pude pensar é Elf (Um Duende em Nova York). Buddy ama natal, tem conhecimento extenso sobre fatos históricos do pólo norte, ama comida doce. É imediatamente associado a qualidades infantis, incapaz de sobreviver em sociedade com suas próprias “ilusões” (porque em seu universo, Papai Noel é real & isso é um fato crucialmente importante a se manter em mente).

Will Ferrel interpretando Buddy, o elfo, vestindo uma roupa verde com pelos brancos nas extremidades, e detalhes dourados, inclusive chapéu. Ele está em uma interação esquisita com o pai, que está sentado e vestindo um casaco de tweed, camisa azul e gravata marrom escuro, com a assistente ao lado parecendo igualmente confusa, vestindo uma camisa listrada e de cabelos ondulados.

Dentre muitos outros exemplos, por último, mas não menos importante: Split (Fragmentado), um thriller psicológico de 2016 dirigido por M.Night Shyamalan, tem como antagonista um sequestrador/assassino com transtorno dissociativo de identidade (TDI) que diz possuir 23 personalidades. Ele sequestra três meninas inocentes, e o horror do filme consiste em sua deficiência ser uma ameaça à segurança, além de perturbadora de se ver. Filmes desse tipo não facilitam a desestigmatização de transtornos mentais menos romantizados.

Foto promocional do filme Fragmentado, em que James McAvoy parece ponderar sobre suas personalidades, cada face apenas parcialmente à mostra representando as diferentes personalidades.

Entendem onde quero chegar? Quando pessoas sem deficiência escrevem sobre deficiência como moral, elas estão conscientes e não se importam, ou genuinamente não entendem como o trabalho delas será traduzido por distintas demografias. Quando pessoas sem deficiência escrevem sobre deficiência como inspiração, elas pesam sobre nós, nos retratando como faróis da sabedoria ou um lembrete para “sermos grates com o que temos”, uma vez que nós não temos nada. Quando pessoas sem deficiência escrevem sobre deficiência, as chances de existir um personagem vilão com uma deficiência “perturbadora” são bem mais altas.

O que também acontece com frequência em se tratando da representação de deficiência na mídia, é que atores não deficientes interpretam papéis destinados a nós. A referência mais fácil de apontar aqui é a Sia colocando Maddie Ziegler interpretando uma criança autista em seu clipe e curta. Quando criticada, Sia se fechou, disse que “tentou” trabalhar com um ator autista e essencialmente falhou em acomodar suas necessidades adequadamente ou mesmo em buscar atrizes autistas. Sia, em autodefesa, pensou estar oferecendo um favor à comunidade para a qual não ligava ou não tentava entender completamente.

Por esse motivo, escritores com deficiência, atores, músicos, artistas, precisam estar à frente, tanto quando as histórias contatadas são sobre nossas condições, quanto ao simplesmente existirmos. Algumas séries que têm feito um trabalho melhor de representação são:

  • A vida sexual das universitárias (The Sex Lives of College Girls, HBO Max) — mesmo não sendo a protagonista, há uma caloura, Joceyln, interpretada pela atriz PcD Lauren ‘Lolo’ Spencer, cadeirante negra. Ela existe neste universo como ela mesma, sem piedade nem nó, ela não quer nada disso, ela não é nossa inspiração, e com certeza não é a vilã. Ela é ela mesma, sem remorsos e, honestamente, rouba todas as cenas, do melhor jeito possível.
Lolo Spencer no premiere de A Vida Sexual das Universitárias, em uma cadeira de rodas preta, vestindo um lindo vestido rosa choque, e saltos altos. Seu cabelo está raspado e parece estar descolorido e pintado de roxo. Ela olha para a câmera com um leve sorriso, e um ângulo de três quartos.
Lolo Spencer no premiere de A Vida Sexual das Universitárias, em uma cadeira de rodas preta, vestindo um lindo vestido rosa choque, e saltos altos. Seu cabelo está raspado e parece estar descolorido e pintado de roxo. Ela olha para a câmera com um leve sorriso, e um ângulo de três quartos.
  • The L Word: Geração Q (Hulu) — a personagem de Jillian Mercado reflete a si mesma ao interpretar alguém que também tem distrofia muscular e é queer, preta, e faz sexo. Quando a personagem surgiu, foi um momento extraordinário na TV, como Mercado disse em entrevistas, uma vez que não houve representatividade de deficiências físicas quando criança.
Foto de Jillian Mercado (fonte: SELF Magazine) em uma cadeira de rodas preta, de vestido brilhoso marrom. Seu cabelo é loiro platinado, passando da altura dos ombros. Ela olha diretamente para a câmera.
  • Sex Education (Netflix) — essa foi a temporada que todo mundo comentava no twitter, pois o sexo com auxílio de mobilidade foi retratado com acurácia. Para além disso, com naturalidade, de forma fluida, além de vermos uma PcD ser desejada — e não apenas unilateralmente. O personagem do ator George Robinson é redondo o bastante para não ser um vilão. Todas as personagens desta série são intencional e igualmente gostáveis e desgostáveis.
O ator George Robinson no set de Sex Education, em frente à casa móvel do personagem, cuja frente está gramada. Ele está em uma cadeira de rodas preta e prateada, em um caminho que dá à sua casa, vestindo jeans cinza, blusa azul, e uma camiseta vermelha simples, olhando para o horizonte e sorrindo.
O ator George Robinson no set de Sex Education, em frente à casa móvel do personagem, cuja frente está gramada. Ele está em uma cadeira de rodas preta e prateada, em um caminho que dá à sua casa, vestindo jeans cinza, blusa azul, e uma camiseta vermelha simples, olhando para o horizonte e sorrindo.
  • Special (Netflix) — escrito sobre a vida de um cara branco gay com paralisia cerebral, o criador e protagonista da série, Ryan O’Connell, humaniza PcDs ao mostrar o quão ridícula e capacitista é a sociedade. Ele também nos mostra como lida com ela — fazendo com que isso pareça possível. Seu personagem é completamente humano, capaz de uma gama de emoções e conflitos. Certamente tem uma das melhores cenas de abertura tirando sarro da ideia de PcDs serem assustadoras quando uma criança aparece gritando ao descobrir que Ryan possui deficiência, e sobre o porquê dele mancar.
Ryan O’Connell vestindo uma camisa listrada de branco e cinza e óculos dourados; ele encara a câmera no que parece ser um still promocional da série Special, da casa do protagonista.
  • Vai dar tudo certo (Everything’s Gonna Be Okay, Hulu) — escrito e atuado por Josh Thomas, possui duas temporadas e retrata uma família em que metade dos membros tem autismo e/ou TDAH, enquanto as outras pessoas são neurotípicas. Nicholas é um homem branco australiano em seus vinte e tantos anos. “Ele vai visitar seu pai estadunidense e suas duas meio-irmãs adolescentes em Los Angeles. Durante a visita, descobre que o pai está terminalmente doente e quer que Nicholas se torne guardião legal de Genevieve and Matilda, porque a mãe delas é falecida.” A série demonstra o que pode ser e parecer uma família fora do “padrão”. E eu, especialmente, aprecio a ênfase no fato de que PcDs trabalham duro pra se encaixar num mundo que não foi pensado para nós, e a série nos aponta para o fato de que deveríamos existir simplesmente como nós mesmes, algo que vemos essa família fazer no conforto do lar, transmitindo essa sensação. Vemos isso especialmente quando Matilda toca piano, ou faz atividades paralelas (parallel play) com a namorada, que também é autista. Também se vê com Nicholas não almejando ter um quarto “adulto” — o quarto dele é colorido e me lembra uma discoteca. Ter um quarto desses enquanto adulto seria considerado “imaturo” ou “anormal”, mas funciona porque funciona para Nicholas.
Josh Thomas, à esquerda, interpreta Nicholas, um homem branco e loiro em uma camisa branca, gravata e calça pretas. Ele sorri enquanto pega girassóis com sua meia irmã Matilda, que também puxa pétalas da flor. Ela também sorri e olha para baixo, usando um vestido preto florido e um cardigã preto. Seu cabelo é loiro na altura dos ombros, e ela usa óculos de aros escuros. Eles estão de frente ao piano branco na casa deles.

Algo interessante que enlaça essas cinco séries é o desejo. Sexo é um tema recorrente, e elas quase apontam o espelho de volta à quem assiste para pedir que consideremos sobre a deficiência ser imediatamente associada a não ser atraente, ser indesejade, não amável, com repulsa. Com ser impotente, insatisfeite com a vida, ou cruel. Séries assim ajudam a quebrar os tropos nocivos e prejudiciais que nos são interpretados há centenas de anos, literalmente. Ainda hoje, vemos o quanto o desejo não é o suficiente: há muito mais elementos às nossas narrativas que expandem a compreensão das nossas experiências.

É óbvio, ainda acho que representatividade decente é quase sempre unânime em retratar PcDs brancas. O que me anima é o futuro. E por isso é importante reconhecer atrizes como Lolo Spencer e Jillian Mercado pois, deficiência, em si mesma, geralmente se associa a pessoas brancas. É uma história que deve ser contada por alguém branca. Acredito estarmos nos afastando disso ano após ano e, finalmente, indo em direção à percepção de que deficiência é simplesmente deficiência. Isso não significa que não experienciamos negligência ou racismo médico, ou capacitismo, e assim por diante, mas que deficiência não é um defeito de qualidade moral. Há centenas de histórias brilhantes sendo contadas e aguardando serem colocadas no mundo para alcançar uma plateia massiva. Mal posso esperar pelo dia que possamos experimentá-las enquanto comunidade.

Se gostou do artigo, por favor considere apoiar meu trabalho ainda mais:

Venmo: ItsWalela

Paypal: https://www.paypal.com/paypalme/itswalela

Patreon: patreon.com/itswalela — Tenho mais artigos, resenhas de livros, listas de leituras, prompts de escrita criativa, poesia, ensinamentos extensivos como A História da Resistência Através da Diáspora, e muito mais. Meu valor mínimo é $1.